Portugal ficou 12 horas às escuras. Foi um evento raro, inesperado e desconcertante. Mas e se, em vez de 12 horas, fossem dois ou três dias? E se a luz não voltasse a tempo de salvar servidores, bases de dados, redes de comunicação? A verdadeira questão que o apagão coloca às empresas não é apenas tecnológica: é documental. Quando a luz se apaga, o que sobra da memória de uma organização?

Vivemos obcecados com a digitalização, a cloud, a inteligência artificial. Colocámos toda a nossa confiança em servidores remotos, em bases de dados interligadas, em processos automatizados que pressupõem uma disponibilidade permanente de energia e conectividade. E nada disto é errado. Mas o apagão lembrou-nos de algo mais profundo: sem acesso à informação crítica, sem organização documental real, as empresas ficam cegas.

Quantas organizações em Portugal têm, hoje, um plano de continuidade operacional que garanta acesso à sua documentação crítica sem dependência total da rede elétrica? Quantas saberiam aceder a contratos, registos legais, faturas, dados de compliance, se a cloud ficasse indisponível por dias? Quantas empresas ainda confundem ter “tudo no digital” com ter “tudo acessível e seguro”?

A resiliência informacional é a infraestrutura invisível da sobrevivência empresarial. Não basta ter backups; é preciso saber onde está a informação essencial, como recuperá-la rapidamente e, sobretudo, assegurar que há redundância documental – física ou digital segura – que permita manter as decisões operacionais vivas.
Nos próximos anos, à medida que os eventos extremos – naturais, tecnológicos, políticos – se tornarem mais frequentes, a sobrevivência não será garantida apenas pela cibersegurança ou pelo poder computacional. Sobreviverão as organizações que souberem proteger a sua memória, garantir a integridade dos seus processos e manter a inteligência documental mesmo quando tudo o resto falhar.

Portugal tem excelentes exemplos de boas práticas, mas também demasiados casos onde a gestão documental é um “parente pobre” dos investimentos empresariais. Como se fosse um luxo ou uma preocupação secundária. O apagão de segunda-feira foi um lembrete claro – um reality check: a documentação não é acessório. É fundação.

Quando a luz se apaga, a verdadeira infraestrutura que salva uma empresa não são os servidores — é a gestão da sua memória crítica. Esta é a hora de perguntar: estamos a preparar as nossas organizações para resistir ao próximo grande apagão? Porque não há reset que nos salve se não houver memória para recuperar.

Paulo Veiga

(in https://digitalinside.pt/quando-a-luz-se-apaga-o-que-sobra-o-apagao-eletrico-e-o-apagao-da-memoria-empresarial/)