Há cerca de 15 anos, enquanto Presidente da Casa do Benfica em Palmela, tive o privilégio de conhecer e lidar com o António Manuel Ribeiro, líder dos UHF, que me disse algo, com toda a sua serenidade e humildade, que nunca esqueci: «Sou apenas um compositor, são as pessoas que escutam que transformam as minhas músicas em hinos.»
Sempre contei este episódio em círculos de amigos mais restritos, mas hoje este pensamento, mantém toda a sua pertinência, porque, de facto, são as pessoas, os fãs, que lhes dão eco, que cantam as músicas, que as repetem, as transformam em algo maior e as associam a momentos importantes das suas vidas. O mesmo se passa atualmente com as notícias.
Hoje, não vivemos uma era da informação. Vivemos no eco da informação. E o eco, por definição, é sempre uma repetição incompleta, distorcida e fragmentada.
Somos bombardeados por notícias todos os dias. Mas quantas delas são verdadeiramente confirmadas? Quantas são ecoadas por centenas de contas automáticas, partilhadas sem leitura, embaladas por títulos que apelam ao emocional e à indignação rápida? Pior, ficamos informados pelas redes sociais, por partilhas no Whatsapp, pelo Tik-Tok, muitas replicadas de ‘fontes’ pouco ou nada credíveis.
Hoje, mais do que ler, temos de duvidar. Mais do que confiar, temos de investigar. A verdade é que, para nos mantermos atualizados e podermos decidir bem, trabalhamos muito mais, para saber cada vez menos.
Há umas semanas, vi três canais noticiar a mesma ocorrência em Lisboa, o incidente com o Elevador da Glória. Três versões diferentes. Três narrativas. Várias suposições. Pessoas da rua a serem questionadas sobre as causas. Nenhuma parecia completa. E a pergunta é simples: como pode o cidadão comum formar uma opinião se nem quem está a relatar os factos o faz com consistência?
O problema não está nos media. Somos todos parte de uma cadeia onde o valor da informação está a ser substituído pelo seu alcance. Vivemos num sistema em que o que importa é a velocidade da partilha, não a credibilidade do conteúdo. Onde o que ganha não é quem explica melhor, mas quem grita mais alto.
E agora temos uma nova camada a complicar tudo: a Inteligência Artificial. Os deepfakes, cada vez mais realistas, colocam-nos num ponto de rutura com a realidade. Já não precisamos de fontes falsas. Criam-se realidades inteiras, com som, imagem e discurso, em segundos.
Realidades que alastram em segundos pelas redes, como grandes verdades, e que acionam movimentos e ações reais, muitas delas perigosas.
Num mundo onde o algoritmo decide o que vemos e em que ordem, a percepção de verdade é manipulada à velocidade de um scroll. E isso deve preocupar-nos. Porque a democracia, a opinião pública, as tomadas de decisões são hoje profundamente influenciadas por perceções forjadas em segundos e partilhadas em massa. E quando a percepção substitui os factos, ganha quem manipula melhor, não quem tem razão.
A culpa não é de um partido, de uma televisão ou de uma rede social. A responsabilidade é coletiva. E nós, líderes empresariais, políticos, comentadores, cidadãos, e essencialmente jornalistas, temos o dever de exigir mais: mais profundidade, mais tempo para confirmar, mais coragem para dizer «não sei, vou procurar melhor».
Porque a desinformação não se combate com opinião, combate-se com contexto, com verificação, com tempo. E isso exige de todos nós uma mudança: de consumo, de atitude e de responsabilidade.
Num mundo onde tudo tem som, imagem e urgência, talvez o maior gesto de liderança seja parar, ouvir o eco… E procurar a voz original.
Paulo Veiga
(in https://lidermagazine.sapo.pt/o-eco-da-desinformacao-sabemos-menos-confiamos-e-erramos-juntos/)

