O físico ainda desempenha um papel importante
Por muito que a digitalização esteja nas tendências atuais, o “digital” (conciliação entre o físico e o digital) ainda predomina como o método mais fiável. No entanto, o espaço disponível para armazenar e gerir arquivos físicos é limitado, pelo que as empresas precisam de soluções alternativas. A solução é pedirmos a alguém que guarde por nós.
A ideia surgiu há vários anos, em 1992, quando Paulo Veiga, atual CEO da EAD, estava no quarto ano de Economia do ISEG. Através de um estágio da AIESEC, em Madrid, conheceu um modelo de negócio vanguardista: uma empresa que guardava arquivos em caixas de cartão.
Já no seu quinto ano da licenciatura, apareceu na escola um centro promotor de inovação e negócios da Comunidade Europeia, e Paulo Veiga aproveitou a oportunidade de partilhar e replicar esse modelo inovador em Portugal. “Tem tudo a ver com sorte e estarmos atentos às coisas que se passam à nossa volta, e questioná-las de uma forma construtiva”, considera o CEO.
A empresa foi fundada no dia 15 de março de 1993, no Barreiro, mas só iniciou a sua atividade a 2 de maio. “Estivemos lá cinco anos à procura de clientes, com uma mala na mão, a correr as ruas de Lisboa de porta-a-porta”, recorda. O primeiro cliente só apareceu em setembro, e precisava de despejar quatro andares de arquivo.
“O administrador, na altura, acreditou em mim. Aluguei uma carrinha, peguei numas paletes, aluguei o armazém no Barreiro e comecei a transportar caixas.
Nesse ano ainda conseguimos mais dois ou três clientes, muito pequenos, e fiz um anúncio na TSF”.
Hoje, duvida que fosse possível um modelo de negócio permanecer no ativo durante tanto tempo nesta mesma situação: “Desde maio até setembro sem um único cliente. Isto para qualquer jovem empreendedor nos dias de hoje seria desesperante. Acho que a juventude atual, ao fim de 15 ou 20 dias, desistia”.
Hoje, 32 anos depois, a empresa mudou a sua sede para Palmela, e já conta com cerca de 50 mil m2 de área coberta em Portugal continental (Palmela, Montijo, Vilar do Pinheiro, Porto e Santo Tirso), e estando ainda presente na Madeira, Açores e várias cidades em Espanha (Barcelona, Pontevedra, Madrid, Bilbau e Valência).
A entrada no mercado espanhol abriu novos horizontes à empresa, e Paulo Veiga destaca a diferença sentida, economicamente, no país vizinho: “O primeiro contrato que fizemos em Espanha, quando comprei a empresa, foi de 700 mil euros. Em Portugal, eu não faço contratos de 700 mil euros. O mercado espanhol é cerca de cinco vezes maior, são quase 50 milhões de habitantes, e o PIB é superior”.
Ao todo, são cerca de dois milhões de caixas arquivadas, o equivalente a mais de mil quilómetros de documentação.

Digitalização
Os clientes da EAD necessitam dos documentos físicos e de espaço, mas, por vezes, também precisam de continuar a ter acesso aos documentos arquivados. Nesse sentido, o modelo de negócio também se foi adaptando à evolução, e atualmente não só arquivam as versões físicas, como também contam com um serviço de digitalização de documentos.
Em 2023, pela primeira vez, a faturação dos serviços digitais superou os documentos físicos, e hoje a empresa digitaliza cerca de 40 milhões de páginas por ano. “Este também é um negócio ameaçado, como todos os outros, porque o papel está a diminuir, portanto há menos papel para digitalizar, pois os documentos hoje já são criados eletronicamente”, explica Paulo Veiga.
Assim, de modo a acompanhar a tecnologia, investiram num software e em aplicações que trabalham sobre as imagens recebidas, para acrescentar eficiência aos seus clientes.
A empresa faz a receção de documentos físicos de entidades como prestadoras de serviços, bancos ou seguradoras. Os documentos são digitalizados, indexados, classificados e integrados, seja na sua plataforma de gestão documental ou na dos clientes. Nestes processos existe tanto a tecnologia de leitura automática quanto controlo e verificação humana, de modo a garantir uma maior exatidão no processo. “A tecnologia não é perfeita, por isso equilibramos com o critério humano”, justifica Paulo Veiga.
As pessoas também recebem, registam e digitalizam correspondência devolvida, alertando o cliente para que corrija a informação, e ajudam a retificar erros de morada e a melhorar os ciclos de envio.
Para situações mais complexas, a EAD gere plataformas de reporting com Power BI, que permite que o cliente assista à produção e à gestão documental, através de acessos próprios. Esta ferramenta também assegura entregas físicas de documentos quando necessário, por exemplo, originais requeridos por tribunais, e cria soluções adaptadas às necessidades de cada cliente.

Segurança
“Confidencialidade é o nosso nome do meio, desde o início”, afirma Paulo Veiga. Este modelo de negócio requer altos níveis de segurança, por tratar informações confidenciais dos seus clientes, e acrescenta que “os arquivos não valem nada até precisarmos deles. Aí, valem milhões”.
Fisicamente, as instalações têm acessos rigorosos e monitorizados, alarmes ligados diretamente aos bombeiros, vigilância permanente, detetores de inundação e bombas de evacuação de água. Cada caixa está identificada com um código de barras, de modo a não ser facilmente identificado o cliente a quem pertence aquela caixa. Há também cofres e locais de armazenamento específicos para determinado tipo de arquivos. Devido aos ataques cibernéticos, algumas empresas estão a desistir da cloud para guardar estas informações críticas e a retornar a gravar em tape. “Cada vez que há um ciberataque eu ganho três ou quatro clientes”,comenta, justificando que a desconexão à internet torna a informação mais segura, tendo como único acesso o formato físico e local. “Quando um cliente precisa de determinada tape, basta requisitar no nosso portal na internet, o robô requisita ao nosso software do cliente e no dia seguinte de manhã entregamos-lhe”, explica Paulo Veiga, acrescentando que “cada cliente sabe o espaço que há em cada fita, e requisita-a através do seu código”.
Já no digital, a cibersegurança é tratada com o mesmo grau de exigência, com vigilância 24/7 dos seus sistemas, testes regulares de intrusão, e monitorização da dark web. “Somos certificados na ISO 27001, relativa à segurança da informação, que tem 144 pontos de controlo e nós temos todos os pontos de controlo sem exclusões na nossa certificação”, destaca.
A empresa contratou um serviço externo para monitorizar os seus servidores de forma contínua, controlando e verificando os acessos internos. “Lembro-me que uma vez estava no estrangeiro e tive uma reunião. Liguei a VPN e conectei-me. Recebi imediatamente um telefonema a perguntarem-me se tinha acabado de me conectar, porque detetaram um acesso incomum bem-sucedido”, recorda, “também já aconteceu mudarem-me a password sem me avisarem, porque apareceu uma password minha antiga na dark web.
Eles vigiam a dark web em nosso nome para prevenir situações destas”. Como forma de testar os seus níveis de segurança, e das próprias pessoas que lá trabalham, este serviço também conta com “hackers éticos” para simularem ataques internos, enviando e-mails falsos e mensagens suspeitas.
Quando o colaborador clica num link impróprio, o erro é detetado, analisado e corrigido com formação adicional. “Não estamos livres de ataques, mas estamos mais preparados do que nunca”, afirma o CEO.
Ainda assim, apesar de toda esta segurança, considera: “Nem somos um Fort Knox nem um ‘cemitério de papéis’. Somos um hotel”.

Reforço das operações
A aquisição da Papiro, anterior concorrente da EAD, em 2020, trouxe um reforço de capacidade para a empresa, bem como a especialização de que a empresa dispunha, permitindo assim uma troca de ideias e experiências. Agora, a empresa apostou numa fusão, através da integração da Papiro na sua estrutura, com o objetivo de simplificar a organização do grupo, reforçar a capacidade de resposta ao mercado e consolidar a posição de liderança nacional na área de gestão documental.
“A Papiro trouxe especialização em destruição segura de documentos, estafetagem interna e externa, impressão, envelopagem e salas de correio”, detalha o CEO. Apesar da fusão, realça que pretende manter ambas as empresas a funcionar de forma independente e sob os nomes pelos quais já são conhecidas. Além disso, não será feito qualquer despedimento ou alteração aos serviços prestados aos clientes.
Atualmente, a empresa conta com mais de 420 pessoas em Portugal, e com 45 em Espanha, e antecipa uma faturação de 18 milhões de euros este ano, e um crescimento de 25%.

Futuro digital
Num olhar sobre o futuro, Paulo Veiga sente que o lado físico começa a perder algum peso para o digital, mas que continuará a ser importante, como é o exemplo da proteção da informação dos ciberataques.
A transição digital está a impactar este modelo de negócio de tal maneira que “a Iron Mountain, que é a maior empresa do mundo neste ramo, no seu relatório de contas, já se valoriza em megawatts”. “Eu não tenho como transformar o meu negócio em IT puro, porque eu adoro prestar serviços.
Adoro trabalhar para o bem dos nossos clientes. Mas também é nisto que sou bom, a tratar documentos e informação, seja ela no suporte físico ou no suporte digital”.
O CEO considera ainda que a interoperabilidade entre os sistemas, ou seja, a capacidade de diferentes sistemas informáticos comunicarem entre si sem intervenção humana, poderá ser um problema no futuro. “no dia em que todos os sistemas forem compatíveis, o nosso papel muda radicalmente. Mas esse dia, feliz ou infelizmente, ainda está longe”, comenta.
“Num mundo perfeito, todos os sistemas falariam entre si sobre o que tivessem de falar, e quando tivessem de falar. Esse mundo perfeito não existe e, se calhar, nunca vai existir, mas, enquanto isto não acontecer, há uma oportunidade para mostrarmos o nosso valor, e é isto que eu quero fazer”, conclui Paulo Veiga.

(in SCM Media News, junho 2025, Nº 64)